terça-feira, 9 de abril de 2013


Análise da obra A Metamorfose, de Franz Kafka:
Existencialismo, foco narrativo e linguagem
       
O Existencialismo pode ser definido como um conjunto de tendências filosóficas, as quais têm em comum o fato de a existência humana ser o ponto de partida e objeto fundamental de reflexões. Essa corrente de pensamento possui as seguintes características:

·         A definição de ser humano, o qual é visto como uma realidade imperfeita, aberta e inacabada que foi “lançada” ao mundo tendo que viver e enfrentar situações de riscos e ameaças;

·         A condição da liberdade humana, a qual não é plena, mas sim condicionada às circunstâncias históricas. A partir disso, querer não significa poder já que o ser humano enfrenta e supera, constantemente, obstáculos que lhes são apresentados;

·         E a vida humana, a qual é entendida como um caminho marcado por muitas situações difíceis que causam o sofrimento, doenças, fracassos e até a morte do ser humano. Porém, esses aspectos ruins devem ser encarados e enfrentados.

O livro “A metamorfose” de Franz Kafka foi escrito por volta de 1912, momento marcado por intensas crises causadas pelo Modernismo, dentre elas crises existenciais, religiosas e racionais. Portanto, o livro apresenta a desesperança, o pessimismo relacionado ao que pode vir acontecer e as constantes dúvidas do ser humano. Dessa maneira, tudo isso é refletido no protagonista da história, o caixeiro-viajante Gregor Samsa, o qual se vê num isolamento intenso ao se tornar um inseto. O personagem continua tendo sentimentos humanos (consciência humana), porém, é impedido de expressar toda a sua indignação em relação a sua família, ao seu trabalho e a sociedade como um todo, por causa de sua metamorfose.

Gregor é um ser repleto de angústia e agonia e, portanto, não enfrenta a sua situação, preferindo acomodar-se a ela sem perceber a sua liberdade de poder mudá-la. Sendo assim, Samsa acaba escolhendo a morte, achando que a mesma é o caminho mais fácil para resolver seus problemas e que é o momento de sua libertação.

Segundo Jean-Paul Sartre, o filósofo mais conhecido da corrente existencialista, o ser humano pode ser visto como o nada (ente para-si), ou seja, um espaço aberto, “vazio de ser”, uma vez que o homem não é estático, compacto, mas sim passível de mudanças, as quais podem acontecer a partir do momento em que o ser humano tem a liberdade de realizar escolhas das quais é responsável e, dessa maneira, formar a si mesmo. Para o filósofo, a liberdade é responsável por mover o ser humano, gerar dúvidas e o estimular a ultrapassar certas barreiras e limites. Entretanto, ao considerar o personagem Gregor, pode-se concluir que o mesmo acaba não tendo essa liberdade, sendo explorado por todos ao seu redor.

Sartre diz que a literatura mostra o homem para ele próprio, apresentando suas angústias a fim de que o mesmo compreenda a sua complexidade. Além disso, a mesma representa a sociedade ao homem a partir de seu retrato. Portanto, segundo o pensador, a compreensão da realidade humana está diretamente ligada à literatura.

O foco narrativo presente em A Metamorfose ocorre pelo narrador onisciente, ou seja, o narrador tem a consciência, o conhecimento do que acontece com a família Samsa nos aspectos psicológicos (emoções e pensamentos dos personagens), cronológicos e também sabe o enredo da história. Além do mais, o narrador onisciente é aquele que narra em 3ª pessoa e que, às vezes, apresenta ideias em 1ª pessoa. Na obra também há a presença do discurso direto e indireto, fazendo com que as descrições dos fatos cheguem mais próximo daquilo que o protagonista (Gregor Samsa) experimenta e sente, ou seja, mesmo não representando o personagem principal, o narrador apresenta os fatos de acordo com a visão de Gregor durante a maior parte da obra, com exceção do final, no qual Gregor morre e a narrativa passa a se focar nas ações e nos fatos que estavam ocorrendo com a família do protagonista.

Mesmo que o narrador conte os acontecimentos em 3ª pessoa, ele está longe de ser um narrador neutro. Ao apontar a visão de Gregor, não dá muita importância aos nomes do Sr.  E da Sra. Samsa (pais do protagonista), apenas os cita com a relação de parentesco que os mesmos têm com o filho. Grete (irmã de Gregor) é a única personagem (além do personagem principal) nomeada e, mesmo assim, esse laço de sangue que ela tem com seu irmão aparece mais que o seu nome verdadeiro.
        Na obra, a linguagem utilizada por Franz Kafka é formal, simples, fácil de entender, porém objetiva, enxuta, exata, seca e obscura, utilizando metáforas e imagens inusitadas para criticar a sociedade da época. Sua escrita única e peculiar retrata o conformismo de Gregor diante de suas novas condições de existência e de sua alienação, o que provoca angústia, sofrimento e tristeza no leitor, visto que Gregor aceita tais condições tranquilamente sem tentar mudar nada.
É uma narrativa agonizante e desesperadora na visão dos leitores por conta das condições de Gregor, e a linguagem seca e sombria só contribui para aumentar essa angústia. Kafka instiga sensações e impressões que variam com a presença de um humor perturbador. A leitura requer uma atenção especial por sua linguagem burocrática, sem a qual o autor não teria atingido o aspecto característico que constrói a obra. Kafka tinha consciência de que, para chegar ao estranhamento e exprimir a agonia de suas narrativas, optar pela formalidade seria mais eficiente, adotando um caráter impessoal.

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