terça-feira, 6 de novembro de 2012

Interpretação das Estrofes de Os Lusíadas
(não garanto que esteja tudo certo)

CANTO V

Estrofe 37

Porém já cinco Sóis eram passados
Que dali nos partíramos, cortando
Os mares nunca doutrem navegados,
Prósperamente os ventos assoprando,
Quando uma noite estando descuidados,
Na cortadora proa vigiando,
Uma nuvem que os ares escurece
Sobre nossas cabeças aparece.

Estrofe 38

Tão temerosa vinha e carregada,
Que pôs nos corações um grande medo;
Bramindo o negro mar, de longe brada
Como se desse em vão nalgum rochedo.
- "Ó Potestade, disse, sublimada!
Que ameaço divino, ou que segredo
Este clima e este mar nos apresenta,
Que mor cousa parece que tormenta?"

Estrofes 37 e 38: Descrevem uma chuva forte e aparece um gigante.

Estrofe 39

"Não acabava, quando uma figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura,
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má, e a cor terrena e pálida,
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.

Estrofe 40

"Tão grande era de membros, que bem posso
Certificar-te, que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo:
Com um tom de voz nos fala horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo:
Arrepiam-se as carnes e o cabelo
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo.

Estrofe 41

"E disse: — "Ó gente ousada, mais que quantas
No mundo cometeram grandes cousas,
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
E por trabalhos vãos nunca repousas,
Pois os vedados términos quebrantas,
E navegar meus longos mares ousas,
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,
Nunca arados d'estranho ou próprio lenho:

Estrofes 39, 40 e 41: descriçao do gigante: tinha barba, era forte, dentes amarelos. Era tao grande que era comparado ao Colosso (estatua do deus grego Apolo, uma das sete maravilhas do mundo antigo). O gigante começou a falar com os portugueses e estes ficaram com medo por causa da aparencia, do tamanho e da voz grossa do gigante. Gigante Adamastor não queria que os portugeses navegassem no “seu” mar, pois ele critica o fato de que eles só causavam guerra, assim nao queria que houvesse uma guerra no seu mar.

- "Pois vens ver os segredos escondidos
Da natureza e do úmido elemento,
A nenhum grande humano concedidos
De nobre ou de imortal merecimento,
Ouve os danos de mim, que apercebidos
Estão a teu sobejo atrevimento,
Por todo o largo mar e pela terra,
Que ainda hás de sojugar com dura guerra.

Estrofe 42: Gigante disse que os portugueses nao tinham o direito de explorar a natureza pois nao sao nenhuma divindade.

Sabe que quantas naus esta viagem
Que tu fazes, fizerem de atrevidas,
Inimiga terão esta paragem
Com ventos e tormentas desmedidas.
E da primeira armada que passagem
Fizer por estas ondas insofridas,
Eu farei d'improviso tal castigo,
Que seja mor o dano que o perigo.

Estrofe 43: Gigante esta “jogando praga” aos portugueses pois ele quer se vingar de todo o mal que os portugueses fizeram com outras pessoas.

Aqui espero tomar, se não me engano,
De quem me descobriu, suma vingança.
E não se acabará só nisto o dano
Da vossa pertinace confiança;
Antes em vossas naus vereis cada ano,
Se é verdade o que meu juízo alcança,
Naufrágios, perdições de toda sorte,
Que o menor mal de todos seja a morte.


Estrofe 44: Fala sobre a vingança do gigante a qual sera a morte dos portugueses.
É do primeiro Ilustre, que a ventura
Com fama alta fizer tocar os Céus,
Serei eterna e nova sepultura,
Por juízos incógnitos de Deus.
Aqui porá da Turca armada dura
Os soberbos e prósperos troféus;
Comigo de seus danos o ameaça
A destruída Quíloa com Mombaça.

Estrofe 45: fala sobre o Dr. Francisco de Almeida. Este fez a fama de que era um Deus por ter sido um dos primeiros a navegar em alto mar. OBS: ele acaba morrendo.

Outro também virá de honrada fama,
Liberal, cavaleiro, enamorado,
E consigo trará a formosa dama
Que Amor por grã mercê lhe terá dado.
Triste ventura e negro fado os chama
Neste terreno meu, que duro e irado
Os deixará dum cru naufrágio vivos
Para verem trabalhos excessivos.
Estrofe 46: Fala sobre Manuel de Sousa que tambem era um navegante e morreu.

Estrofe 47

Verão morrer com fome os filhos caros,
Em tanto amor gerados e nascidos;
Verão os Cafres ásperos e avaros
Tirar à linda dama seus vestidos;
Os cristalinos membros e perclaros
A calma, ao frio, ao ar verão despidos,
Depois de ter pisada longamente
Co'os delicados pés a areia ardente.

Estrofe 48

E verão mais os olhos que escaparem
De tanto mal, de tanta desventura,
Os dois amantes míseros ficarem
Na férvida e implacável espessura.
Ali, depois que as pedras abrandarem
Com lágrimas de dor, de mágoa pura,
Abraçados as almas soltarão
Da formosa e misérrima prisão."

Estrofes 47 e 48: Basicamente mostra que tudo que os navegantes citados nas duas estrofes anteriores passaram, os portugueses passariam pela mesma situaçao, acabando na morte.

"Mais ia por diante o monstro horrendo
Dizendo nossos fados, quando alçado
Lhe disse eu: — Quem és tu? que esse estupendo
Corpo certo me tem maravilhado.-
A boca e os olhos negros retorcendo,
E dando um espantoso e grande brado,
Me respondeu, com voz pesada e amara,
Como quem da pergunta lhe pesara:

Estrofe 49: Adamastor conta para Vasco da Gama a sua historia de vida.

Eu sou aquele oculto e grande Cabo,
A quem chamais vós outros Tormentório,
Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo,
Plínio, e quantos passaram, fui notório.
Aqui toda a Africana costa acabo
Neste meu nunca visto Promontório,
Que para o Pólo Antarctico se estende,
A quem vossa ousadia tanto ofende.

Estrofe 50: Vasco esta contando para o rei aquilo que o gigante lhe contou.

Fui dos filhos aspérrimos da Terra,
Qual Encélado, Egeu e o Centimano;
Chamei-me Adamastor, e fui na guerra
Contra o que vibra os raios de Vulcano;
Não que pusesse serra sobre serra,
Mas conquistando as ondas do Oceano,
Fui capitão do mar, por onde andava
A armada de Netuno, que eu buscava.

Estrofe 51: Adamastor esta contando para Vasco que ele participou de uma guerra entre titas (quem apoiou) e Jupiter.

Amores da alta esposa de Peleu
Me fizeram tomar tamanha empresa.
Todas as Deusas desprezei do céu,
Só por amar das águas a princesa.
Um dia a vi coas filhas de Nereu
Sair nua na praia, e logo presa
A vontade senti de tal maneira
Que ainda não sinto coisa que mais queira.

Estrofe 52: Gigante mostra seu amor por Tétis.

Como fosse impossível alcançá-la
Pela grandeza feia de meu gesto,
Determinei por armas de tomá-la,
E a Doris este caso manifesto.
De medo a Deusa então por mim lhe fala;
Mas ela, com um formoso riso honesto,
Respondeu: — "Qual será o amor bastante
De Ninfa que sustente o dum Gigante?

Estrofe 53: O gigante queria lutar pelo amor de sua amada, porem a mae desta disse que Tétis nao amaria tanto o gigante quanto ele ama ela, ou seja, nao corresponderia o amor dele completamente.

Contudo, por livrarmos o Oceano
De tanta guerra, eu buscarei maneira,
Com que, com minha honra, escuse o dano."
Tal resposta me torna a mensageira.
Eu, que cair não pude neste engano,
(Que é grande dos amantes a cegueira)
Encheram-me com grandes abondanças
O peito de desejos e esperanças.

Estrofe 54: Gigante diz que com a honra dele de guerra (já que trouxe paz pela ultima guerra que participou), deveria ter a chance de conquistar a sua amada.

Já néscio, já da guerra desistindo,
Uma noite de Dóris prometida,
Me aparece de longe o gesto lindo
Da branca Tétis única despida:
Como doido corri de longe, abrindo
Os braços, para aquela que era vida
Deste corpo, e começo os olhos belos
A lhe beijar, as faces e os cabelos.

Estrofe 55: Adamastor já havia desistido da guerra entre Titãs e Deuses pela sua amada, a ninfa Tétis. Ele corre em seus braços para beijá-la e abraça-la.
Ó que não sei de nojo como o conte!
Que, crendo ter nos braços quem amava,
Abraçado me achei com um duro monte
De áspero mato e de espessura brava.
Estando com um penedo fronte a fronte,
Que eu pelo rosto angélico apertava
Não fiquei homem não, mas mudo e quedo,
E junto dum penedo outro penedo.

Estrofe 56: O gigante, quando abraçou a ninfa no entanto, causou repulsa na mesma. Tétis se transformou numa pedra ou monte, pois não correspondia ao amor de Adamastor. Ele se angustia, sentindo como se fosse uma rocha abraçando outra rocha (“E junto dum penedo outro penedo”).

Ó Ninfa, a mais formosa do Oceano,
Já que minha presença não te agrada,
Que te custava ter-me neste engano,
Ou fosse monte, nuvem, sonho, ou nada?
Daqui me parto irado, e quase insano
Da mágoa e da desonra ali passada,
A buscar outro inundo, onde não visse
Quem de meu pranto e de meu mal se risse,

Estrofe 57: Adamastor invoca Tétis, perguntando porque, se ela não o amava, não o manteve  com a ilusão de abraçá-la. Sem resposta da amada, o gigante, envergonhado e triste, parte dali para sempre.

Eram já neste tempo meus irmãos
Vencidos e em miséria extrema postos;
E por mais segurar-se os Deuses vãos,
Alguns a vários montes sotopostos:
E como contra o Céu não valem mãos,
Eu, que chorando andava meus desgostos,
Comecei a sentir do fado inimigo
Por meus atrevimentos o castigo.

Estrofe 58: Os Titãs já foram vencidos e soterrados para maior segurança dos deuses (o Tártaro), contra quem não é possível lutar. Adamastor anuncia, então, seu triste destino (descrito no canto seguinte).

Converte-se-me a carne em terra dura,
Em penedos os ossos se fizeram,
Estes membros que vês e esta figura
Por estas longas águas se estenderam;
Enfim, minha grandíssima estatura
Neste remoto cabo converteram
Os Deuses, e por mais dobradas mágoas,
Me anda Tétis cercando destas águas."

Estrofe 59: Descrição do castigo de Adamastor imposto pelos deuses, seu destino: A carne do gigante se transformou em terra e os ossos em pedra; seus membros e sua figura alongaram se pelo mar; os Deus fizeram dele um Cabo (CABO DAS TORMENTAS). Mas para ele, esse não foi o pior. O pior é que Tétis costuma se banhar em suas águas, e vê-la sem poder tê-la é o pior de tudo para ele.

"Assim contava, e com um medonho choro
Súbito diante os olhos se apartou;
Desfez-se a nuvem negra, e com um sonoro
Bramido muito longe o mar soou.
Eu, levantando as mãos ao santo coro
Dos anjos, que tão longe nos guiou,
A Deus pedi que removesse os duros
Casos, que Adamastor contou futuros.

Estrofe 60: De volta à situação de Vasco da Gama. Terminada sua história, o gigante desapareceu chorando e o mar soou longínquo. Vasco da Gama ergue os braços ao céu e pede aos anjos que os casos futuros contados por Adamastor não se realizem.

CANTO VI

Estrofe 44

Entre as damas gentis da corte Inglesa
E nobres cortesãos, acaso um dia
Se levantou discórdia em ira acesa,
Ou foi opinião, ou foi porfia.
Os cortesãos, a quem tão pouco pesa
Soltar palavras graves de ousadia,
Dizem que provarão, que honras e famas

Estrofe 45

E que se houver alguém, com lança e espada,
Que queira sustentar a parte sua,
Que eles, em campo raso ou estacada,
Lhe darão feia infâmia, ou morte crua.
A feminil fraqueza Pouco usada,
Ou nunca, a opróbrios tais, vendo-se nua
De forças naturais convenientes,
Socorro pede a amigos e parentes.

Estrofe 46

Mas como fossem grandes e possantes
No reino os inimigos, não se atrevem
Nem parentes, nem férvidos amantes,
A sustentar as damas, como devem.
Com lágrimas formosas e bastantes
A fazer que em socorro os Deuses levem
De todo o Céu, por rostos de alabastro,
Se vão todas ao duque de Alencastro.

Estrofe 47

Era este Inglês potente, e militara
Com os Portugueses já contra Castela,
Onde as forças magnânimas provara
Dos companheiros, e benigna estrela:
Não menos nesta terra experimentara
Namorados afeitos, quando nela
A filha viu, que tinto o peito doma
Do forte Rei, que por mulher a toma.

Estrofes 44, 45, 46 e 47: As doze damas inglesas que não eram donzelas (puras), chamam o duque de Alencastro para defendê-las. O duque de Alencastro havia ajudado os portugueses contra Castela e sua filha, Filipa, casou-se com o rei Dom João I de Portugal.

Este, que socorrer-lhe não queria,
Por não causar discórdias intestinas,
Lhe diz: — "Quando o direito pretendia
Do reino lá das terras Iberinas,
Nos Lusitanos vi tanta ousadia,
Tanto primor, e partes tão divinas,
Que eles sós poderiam, se não erro,
Sustentar vossa parte a fogo e ferro.

Estrofe 48: O duque de Alencastro não queria socorrer os portugueses para não causar discórdias internas, mas acreditava que dom João I conseguiria defender o lado português, e que com suas conquistas iria honrar o casamento com sua filha.

E se, agravadas damas, sois servidas,
Por vós lhe mandarei embaixadores,
Que, por cartas discretas e polidas,
De vosso agravo os façam sabedores.
Também por vossa parto encarecidas
Com palavras de afagos e de amores
Lhe sejam vossas lágrimas, que eu creio
Que ali tereis socorro e forte esteio.

Estrofe 49: Os portugueses mandariam embaixadores para cortejar e salvar as donzelas impuras, lutando e casando com elas.

Destarte as aconselha o Duque experto,
E logo lhe nomeia doze fortes;
E por que cada dama um tenha certo,
Lhe manda que sobre eles lancem sortes,
Que elas só doze são; e descoberto
Qual a qual tem caído das consertes,
Cada uma escreve ao seu por vários modos,
E todas a seu Rei, e o Duque a todos.

Estrofe 50: Cada dama teria seu duque e se corresponderia com ele por carta. Os duques escolhidos eram fortes e, assim, conseguiriam protegê-las. Todas escrevem ao rei de Portugal, e o duque se corresponde com todos.

Já chega a Portugal o mensageiro;
Toda a corte alvoroça a novidade;
Quisera o Rei sublime ser primeiro,
Mas não lhe sofre a Régia Majestade.
Qualquer dos cortesãos aventureiro
Deseja ser, com férvida vontade,
F, só fica por bem-aventurado
Quem já vem pelo Duque nomeado.

Estrofe 51: O duque inglês havia escolhido alguns cavalheiros entre vários, e estes estavam alvoroçados para saber quais haviam sido realmente escolhidos, e o rei de Portugal que era marido da filha do duque, desejava ser o primeiro a ver o nome dos escolhidos

Lá na leal Cidade, donde teve
Origem (como é fama) o nome eterno
De Portugal, armar madeiro leve
Manda o que tem o leme do governo.
Apercebem-se os doze, em tempo breve,
De armas, e roupas de uso mais moderno,
De elmos, cimeiras, letras, e primores,
Cavalos, e concertos de mil cores.

Estrofe 52: Os portugueses escolhidos estavam na Cidade do Porto (que já havia sido chamada de Portucale, e deu origem ao nome do país), que era mais próxima da Inglaterra, pois ficava mais ao norte, mais próxima a Inglaterra. E lá os cavalheiros se apresentaram preparados para ir a Inglaterra e defender suas damas.

Já do seu Rei tomado têm licença
Para partir do Douro celebrado
Aqueles, que escolhidos por sentença
Foram do Duque Inglês experimentado.
Não há na companhia diferença
De cavaleiro destro ou esforçado;
Mas um só, que Magriço se dizia,
Destarte fala à forte companhia:

Estrofe 53: Já tendo pedido licença ao rei para sair do país, eles estavam no Rio Douro (que ficava na Cidade do Porto) e estava sendo celebrada a partida dos cavalheiros escolhidos pelo duque inglês. Um dos cavalheiros, Álvaro Gonçalves Coutinho, conhecido como Magriço disse:

Fortíssimos consócios, eu desejo
Há muito já de andar terras estranhas,
Por ver mais águas que as do Douro o Tejo,
Várias gentes, e leis, e várias manhas.
Agora, que aparelho certo vejo,
(Pois que do mundo as coisas são tamanhas)
Quero, se me deixais, ir só por terra,
Porque eu serei convosco em Inglaterra.

Obs.: Consócio – eles unidos para chegar a Inglaterra e salvar as donzelas.
Estrofe 54: Magriço diz que queria há muito tempo conhecer novos lugares, novas culturas e sociedades. Agora que ele tinha oportunidade, ele queria passar pela Espanha e pela França, e pegar um caminho mais comprido que o permitisse conhecer mais lugares, e encontraria com os outros na Inglaterra.

E quando caso for que eu impedido
Por quem das cousas é última linha,
Não for convosco ao prazo instituído,
Pouca falta vos faz a falta minha:
Todos por mim fareis o que é devido;
Mas, se a verdade o espírito me adivinha,
Rios, montes, fortuna, ou sua inveja,
Não farão que eu convosco lá não seja."

Estrofe 55: Ele acredita que Deus seria o único capaz de impedi-lo e que mesmo que Este fizesse alguma coisa, os demais cavalheiros não sentiriam sua falta e conseguiriam defender as damas sem ele.

Assim diz, e abraçados os amigos,
E tomada licença, enfim se parte:
Passa Lião, Castela, vendo antigos
Lugares, que ganhara o pátrio Marte;
Navarra, com os altíssimos perigos
Do Perineu, que Espanha e Gália parte;
Vistas enfim de França as coisas grandes,
No grande empório foi parar de Frandes.

Estrofe 56: Tendo se despedido e tomado licença, ele cita todos os lugares por onde passou, de Portugal a Flandres, uma planície da França e da Bélgica que dá para o mar do norte.

Ali chegado, ou fosse caso ou manha,
Sem passar se deteve muitos dias:
Mas dos onze a ilustríssima companha
Cortam do mar do Norte as ondas frias.
Chegados de Inglaterra à costa estranha,
Para Londres já fazem todos vias.
Do Duque são com festa agasalhados,
E das damas servidos e amimados.

Estrofe 57: Tendo chegado a França, ficou lá alguns dias. Os outros onze cavaleiros vinham pelo mar e já haviam chegado a Inglaterra e estavam em Londres recebidos com festas, e sendo servidos e mimados pelas damas.

Chega-se o prazo e dia assinalado
De entrar em campo já com os doze Ingleses,
Que pelo Rei já tinham segurado:
Armam-se de elmos, grevas e de arneses:
Já as damas têm por si, fulgente e armado,
O Mavorte feroz dos Portugueses;
Vestem-se elas de cores e de sedas,
De ouro e de jóias mil, ricas e ledas.

Estrofe 58: Chegou o dia de defender as damas, de entrar no campo com eles todos. Os cavaleiros se armam e o ânimo guerreiro surge. As damas se vestem de cores e sedas, de joias e ouros.

Mas aquela, a quem fora em sorte dado
Magriço, que não vinha, com tristeza
Se veste, por não ter quem nomeado
Seja seu cavaleiro nesta empresa;
Bem que os onze apregoam, que acabado
Será o negócio assim na corte Inglesa,
Que as damas vencedoras se conheçam,
Posto que dois e três dos seus faleçam.

Estrofe 59: A jovem que aguardava Magriço ficou sozinha, mas ainda assim ela se vestiu e sabia que algumas das outras damas também ficariam sem parceiro porque uns dois ou três portugueses iriam morrem em combate.

Já num sublime e público teatro
Se assenta o Rei Inglês com toda a corte:
Estavam três e três, e quatro e quatro,
Bem como a cada qual coubera em sorte.
Não são vistos do Sol, do Tejo ao Batro,
De força, esforço e de ânimo mais forte
Outros doze sair, como os Ingleses,
No campo, contra os onze Portugueses.

Estrofe 60: A batalha aconteceria num teatro, onde toda corte inglesa assistiria. Os portugueses estavam muito animados para lutar, e viam os doze cavaleiros ingleses.

Mastigam os cavalos, escumando,
Os áureos freios com feroz semblante;
Estava o Sol nas armas rutilando
Como em cristal ou rígido diamante;
Mas enxerga-se num e noutro bando
Partido desigual e dissonante
Dos onze contra os doze: quando a gente
Começa a alvoroçar-se geralmente.

Estrofe 61: Descreve a cena poucos minutos antes da batalha, os homens estavam em cavalos, e não se viam por conta do sol forte que brilhava, mas ainda assim era perceptível a diferença dos doze cavaleiros portugueses para os onze cavaleiros ingleses.

Viram todos o rosto aonde havia
A causa principal do reboliço:
Eis entra um cavaleiro, que trazia
Armas, cavalo, ao bélico serviço.
Ao Rei e às damas fala, e logo se ia
Para os onze, que este era o grã Magriço;
Abraça os companheiros como amigos,
A quem não falta certo nos perigos.
Estrofe 62: O cavaleiro Magriço, para a surpresa de todos, chegou pouco antes da batalha começar, já preparado para a guerra, fala com o rei e as damas, abraça os companheiros se prepara para lutar ao lado deles.

A dama, como ouviu que este era aquele
Que vinha a defender seu nome e fama,
Se alegra, e veste ali do animal de Hele,
Que a gente bruta mais que virtude ama.
Já dão sinal, e o som da tuba impele
Os belicosos ânimos, que inflama:
Picam de esporas, largam rédeas logo,
Abaixam lanças, fere a terra fogo.

Estrofe 63: A dama quando viu a chegada de seu cavaleiro, ficou contente e se vestiu de maneira especial. A tuba da início a batalha, os guerreiros o peito inflamam e começam a duelar.

Dos cavalos o estrépito parece
Que faz que o chão debaixo todo treme;
O coração no peito, que estremece
De quem os olha, se alvoroça e teme:
Qual do cavalo voa, que não desce;
Qual, com o cavalo em terra dando, geme;
Qual vermelhas as armas faz de brancas;
Qual com os penachos do elmo açouta as ancas.

Estrofe 64: Descrição da luta, que para quem vê de fora do medo e os cavaleiros lutavam bravamente em seus cavalos.

Algum dali tomou perpétuo sono
E fez da vida ao fim breve intervalo;
Correndo algum cavalo vai sem dono
E noutra parte o dono sem cavalo.
Cai a soberba Inglesa de seu trono,
Que dois ou três já fora vão do vale;
Os que de espada vêm fazer batalha,
Mais acham já que arnês, escudo e malha.

Estrofe 65: Algum dos cavaleiros morreu, e provavelmente era jovem e morreu cedo, um dos cavaleiros havia caído de seu cavalo, os ingleses estavam perdendo, dois ou três já tinham morrido e percebem que o melhor é ficar na defesa, parar de atacar.

Gastar palavras em contar extremos
De golpes feros, cruas estocadas,
É desses gastadores, que sabemos,
Maus do tempo, com fábulas sonhadas.
Basta, por fim do caso, que entendemos
Que com finezas altas e afamadas,
Com os nossos fica a palma da vitória,
E as damas vencedoras, e com glória.

Estrofe 66: O narrador acredita que de nada adianta perder tempo narrando a batalha, e que o mais importante era entender que os portugueses haviam ganhado e que as damas tinham sua honra defendida.

Recolhe o Duque os doze vencedores
Nos seus paços, com festas e alegria;
Cozinheiros ocupa e caçadores
Das damas a formosa companhia,
Que querem dar aos seus libertadores
Banquetes mil cada hora e cada dia,
Enquanto se detêm em Inglaterra,
Até tornar à doce e cara terra.

Estrofe 67: O duque recebeu os cavaleiros e os hospedou com festa. Mandou cozinheiros e caçadores prepararem banquetes e as damas faziam companhia aos seus libertadores, queriam agradecê-los com banquetes o tempo todo que ficassem na Inglaterra até voltarem a Portugal.

CANTO VII

Além do Indo jaz, e aquém do Gange,
Um terreno muito grande e assaz famoso,
Que pela parte Austral o mar abrange,
E para o Norte o Emódio cavernoso.
Jugo de Reis diversos o constrange
A várias leis: alguns o vicioso
Mahoma, alguns os ídolos adoram,
Alguns os animais, que entre eles morri.

Estrofe 17: Na Índia, encontravam os índios e o rio Ganges, um país grande e famoso, que ao sul o mar e ao Norte a cadeia de montanhas do Himalaia. Glorificam pessoas diferentes, umas Maomé, outras seus ídolos outras ainda os animais.

Lá bem no grande monte, que cortando
Tão larga terra, toda Ásia discorre,
Que nomes tão diversos vai tomando,
Segundo as regiões por onde corre,
As fontes saem, donde vêm manando
Os rios, cuja grã corrente morre
No mar Índico, e cercam todo o peso
Do terreno, fazendo-o Quersoneso.

Estrofe 18: Lá no Himalaia, que percorre toda a Ásia, essa cordilheira ganha diferentes nomes, segundo as regiões que percorre, e de lá saem as fontes de rios grandes que acabam no oceano Índico, formando uma península.

Entro um e outro rio, em grande espaço,
Sai da larga terra uma loira ponta
Quase piramidal, que no regaço
Do mar com Ceilão ínsula confronta;
E junto donde nasce o largo braço
Gangético, o rumor antigo conta
Que os vizinhos, da terra moradores,
Do cheiro se mantêm das finas flores.

Estrofe 19: Entre um rio e outro nascem as plantações. E onde nasce o largo braço do Ganges, antigo rumor diz que os vizinhos da Índia eram atraídos pelo cheiro das flores.

Mas agora de nomes e de usança
Novos e vários são os habitantes:
Os Delis, os Patanes, que em possança
De terra e gente, são mais abundantes;
Decanis, Oriás, que a esperança
Têm de sua salvação nas ressonantes
Águas do Gange, e a terra de Bengala
Fértil de sorte que outra não lhe iguala.

Estrofe 20: E nesse país tem vários povos, que são novos, entre eles os deliis, os patanes que por posse, tem mais terra e mais gente dentre os outros. Os decaniis e os oriás que tem esperança da salvação no Ganges, onde a terra é fértil, e por isso eles tem muita sorte.

O Reino de Cambaia belicoso
(Dizem que foi de Poro, Rei potente)
O Reino de Narsinga, poderoso
Mais de ouro e pedras que de forte gente.
Aqui se enxerga lá do mar undoso
Um monte alto, que corre longamente,
Servindo ao Malabar de forte muro,
Com que do Canará vive seguro.

Estrofe 21: Uma região indiana chamada Cambais, que dizem ter pertencido a Poro (que foi vencido por Alexandre), e um dos reinos de Decã que tem mais riquezas do que o povo, e de onde se pode ver um alto monte,  no meio do mar onde fica protegida outra região do reino de Decã.

Da terra os naturais lhe chamam Gate,
Do pé do qual pequena quantidade
Se estende uma fralda estreita, que combate
Do mar a natural ferocidade.
Aqui de outras cidades, sem debate,
Calecu tem a ilustre dignidade
De cabeça de Império rica e bela:
Samorim se intitula o senhor dela.

Estrofe 22: Os nascidos no monte, são conhecidos como Gates, e ao pé do morro o mar bate ferozmente. Dentre outras cidades, Calicute é a capital, é rica e bela, e seu governante se chama Samorim.

Purpúreos são os toldos, e as bandeiras
Do rico fio são que o bicho gera;
Nelas estão pintadas as guerreiras
Obras, que o forte braço já fizera:
Batalhas tem campais, aventureiras,
Desafios cruéis, pintura fera,
Que, tanto que ao Gentio se apresenta,
A tento nela os olhos apascenta.
Gentio: embaixador.

Estrofe 74: O embaixador visita as caravelas, que tem toldos cor de púrpura e bandeiras de rico fio de seda, onde estão pintadas obras das guerras das quais os portugueses já tinham participado. Diversas batalhas representadas, que o embaixador fica as observando por um tempo.

Pelo que vê pergunta; mas o Gama
Lhe pedia primeiro que se assente,
E que aquele deleite, que tanto ama
A seita Epicureia, experimente.
Dos espumantes vasos se derrama
O licor que Noé mostrara à gente:
Mas comer o Gentio não pretende,
Que a seita que seguia lho defende.

Estrofe 75: E enquanto olha as obras o irmão mais velho de Vasco da Gama o convida a sentar e aproveitar as obras epicuristas, que buscavam o prazer do espectador. Oferecem espumantes, e vinho (licor de Noé = vinho) mas o embaixador não pretende comer por que a religião não permitia que aceitassem comida.

A trombeta que, em paz, no pensamento
Imagem faz de guerra, rompe os ares;
Com o fogo o diabólico instrumento
Se faz ouvir no fundo lá dos mares.
Tudo o Gentio nota; mas o intento
Mostrava sempre ter nos singulares
Feitos dos homens, que em retrato breve
A muda poesia ali descreve

Estrofe 76: A trombeta, que no pensamento traz a imagem de guerra, soa e se faz ouvir até na costa. O embaixador nota todos os detalhes, e percebe que a intenção era mostrar os feitos dos portugueses com aqueles retratos rápidos.

Alça-se em pé, com ele o Gama junto,
Coelho de outra parti, e o Mauritano;
Os olhos põe no bélico transunto
De um velho branco, aspecto venerando
Cujo nome não pode ser defunto
Enquanto houver no mundo trato humano:
No trajo a Grega usança está perfeita,
Um ramo por insígnia na direita.

Estrofe 77: Estavam em pé: o embaixador, Gama, o comandante de uma das Naus (Nicolau Coelho) e o mouro Monçaíde (chamado de mauritano), que colocam os olhos sobre os retratos bélicos do lendário herói Luso (o tal velho branco), cujo nome nunca morrerá (nunca será esquecido), e trazia como símbolo um ramo.

Um ramo na mão tinha... Mas, ó cego!
Eu, que cometo insano e temerário,
Sem vós, Ninfas do Tejo e do Mondego,
Por caminho tão árduo, longo e vário!
Vosso favor invoco, que navego
Por alto mar, com vento tão contrário,
Que, se não me ajudais, hei grande medo
Que o meu fraco batel se alague cedo.

Estrofe 78: Tinha um ramo na mão, mas era cego. Havia percorrido um caminho difícil e longo. Os portugueses pediam ajuda para navegar, para não ter forças contrárias, e diz que se não o ajudar o medo fariam com que o barco afundasse rapidamente.

Olhai que há tanto tempo que, cantando
O vosso Tejo e os vossos Lusitanos,
A fortuna mo traz peregrinando,
Novos trabalhos vendo, e novos danos:
Agora o mar, agora experimentando
Os perigos Mavórcios inumanos,
Qual Canace, que à morte se condena,
Numa mão sempre a espada, e noutra a pena.

Canace: na mitologia grega, filha de Éolo, deus dos ventos. Tendo cometido incesto (injustiça) com seu irmão Macaréu, recebeu do pai uma espada, para que se matasse. Na descrição do poeta latino Ovídio, ela segura em uma das mãos a espada e na outra a pena.

Estrofe 79: Pede para que ele veja que os portugueses vem glorificando o Tejo e também tem seguido suas doutrinas, veja as novas conquistas, mas também os novos problemas, o mar agora já conhecido traria  perigos como guerras (Mavórcitos = de guerra, de Marte), dizendo que sempre se tem a conquista e o lado ruim.

Agora, com pobreza aborrecida,
Por hospícios alheios degradado;
Agora, da esperança já adquirida,
De novo, mais que nunca, derribado;
Agora às costas escapando a vida,
Que dum fio pendia tão delgado
Que não menos milagre foi salvar-se
Que para o Rei Judaico acrescentar-se.

Estrofe 80: Agora, pobre, já tendo se hospedado na casa de várias pessoas, tendo tomado esperança de novo, estava chegando ao fim da vida e apenas um milagre poderia salvá-lo, como havia feito o rei judaico Ezequias, que, avisado da morte próxima, obteve de Deus mais 15 anos de vida para expiar seus pecados.

E ainda, Ninfas minhas, não bastava
Que tamanhas misérias me cercassem,
Senão que aqueles, que eu cantando andava
Tal prêmio de meus versos me tornassem:
A troco dos descansos que esperava,
Das capelas de louro que me honrassem,
Trabalhos nunca usados me inventaram,
Com que em tão duro estado me deitaram.

Estrofe 81: e minhas Ninfas, não bastavam tantos problemas, e aqueles que pareciam ser meus amigos me premiaram, ao invés do descanso que eu esperava, com trabalhos inventados, que eram tão difíceis que me deitava exausto.

Vede, Ninfas, que engenhos de senhores
O vosso Tejo cria valorosos,
Que assim sabem prezar com tais favores
A quem os faz, cantando, gloriosos!
Que exemplos a futuros escritores,
Para espertar engenhos curiosos,
Para porem as coisas em memória,
Que merecerem ter eterna glória!

Estrofe 82: Veja, Ninfas, os poemas de senhores que o seu supremo dá valor, sabem agradecer com favores, e ficam de exemplo aos futuros escritores para inspirar poemas curiosos para fixar na memória os fatos que merecem, fatos de glória.

CANTO VIII

Nas naus estar se deixa vagaroso,
Até ver o que o tempo lhe descobre:
Que não se fia já do cobiçoso
Regedor corrompido e pouco nobre.
Veja agora o juízo curioso
Quanto no rico, assim como no pobre,
Pode o vil interesse e sede inimiga
Do dinheiro, que a tudo nos obriga. 
Estrofe 96: O ouro, nas naus fica por pouco tempo, até que o tempo o descubra e alguém vá e roube. Ele rege a vida das pessoas e é pouco nobre, e tanto para o rico quanto para o pobre pode levar ao roubo do dinheiro que nos controla. A estrofe mostra que o samorim fora corrompido que visava apenas interesses financeiros.
A Polidoro mata o Ptei Treício,
Só por ficar senhor do grão tesouro;
Entra, pelo fortíssimo edifício,
Com a filha de Acriso a chuva d'ouro;
Pode tanto em Tarpeia avaro vício,
Que, a troco do metal luzente e louro,
Entrega aos inimigos a alta torre,
Do qual quase afogada em pago morre.

Estrofe 97: Mostra a ambição humana, destacando os mitos de Polídoro, Acriso e Tarpeia, cujos atos foram meramente ambicionais e que geraram grandes tragédias. Para salvar seu filho Polidoro, o rei de Troia, Príamo, enviou-o com um carregamento de ouro ao rei da Trácia. Este ficou com o ouro e matou Polidoro. Acriso = Acrísio, rei de Argos, que, para anular a profecia do oráculo, prendeu a filha, Dânae, em uma torre. Tarpeia = jovem romana que,  em troca do ouro dos sabinos que sitiavam Roma, abriu-lhes as portas da cidade.
Este rende munidas fortalezas,
Faz tredores e falsos os amigos:
Este a mais nobres faz fazer vilezas,
E entrega Capitães aos inimigos;
Este corrompe virginais purezas,
Sem temer de honra ou fama alguns perigos:
Este deprava às vezes as ciências,
Os juízos cegando e as consciências;

Estrofe 98: O ouro cria muitas barreiras, cria traidores e falsos amigos, cria rivalidades, conflitos, o dinheiro quebra tudo.
Este interpreta mais que sutilmente.
Os textos; este faz e desfaz leis;
Este causa os perjúrios entre a gente,
E mil vezes tiranos torna os Reis.
Até os que só a Deus Onipotente
Se dedicam, mil vezes ouvireis
Que corrompe este encantador, e ilude;
Mas não sem cor, contudo, de virtude.
Estrofe 99: O dinheiro faz as pessoas mudarem as leis, os acordos, torna os reis tiranos, causa brigas entre as pessoas, até os mais religiosos ele corrompe, ele tem a força de mudar tudo.

CANTO IX

De longe a Ilha viram fresca e bela,
Que Vénus pelas ondas lha levava
(Bem como o vento leva branca vela)
Para onde a forte armada se enxergava;
Que, por que não passassem, sem que nela
Tomassem porto, como desejava,
Para onde as naus navegam a movia
A Acidália, que tudo enfim podia.

Estrofe 52: Os navegantes avistam a Ilha dos Amores, a ilha de Vênus (é uma ilha imaginaria). A ilha desloca-se sobre as aguas, segundo a vontade da deusa, que depois vai torna-la imóvel. Menção da fonte Acidália porque era um local onde Vênus gostava de se banhar.
Mas firme a fez e imóvel, como viu
Que era dos Nautas vista e demandada;
Qual ficou Delos, tanto que pariu
Latona Febo e a Deusa à caça usada.
Para lá logo a proa o mar abriu,
Onde a costa fazia uma enseada
Curva e quieta, cuja branca areia,
Pintou de ruivas conchas Citereia.

Estrofe 53: A deusa então torna a ilha imóvel para seus navegantes, que deslumbram cada pedaço dela. Desembarcaram na costa que fazia uma enseada, trazendo menção ao fato de que Vênus nasceu junto a ilha de Citem, da espuma do mar.
Três formosos outeiros se mostravam
Erguidos com soberba graciosa,
Que de gramíneo esmalte se adornavam..
Na formosa ilha alegre e deleitosa;
Claras fontes o límpidas manavam
Do cume, que a verdura tem viçosa;
Por entre pedras alvas se deriva
A sonorosa Ninfa fugitiva.

Estrofe 54: Descrição da Ilha dos Amores. Conseguem ver três montes se erguendo, com límpidas fontes emanando do topo deles e pedras altas de suas relvas.
Num vale ameno, que os outeiros fende,
Vinham as claras águas ajuntar-se,
Onde uma mesa fazem, que se estende
Tão bela quanto pode imaginar-se;
Arvoredo gentil sobre ela pende,
Como que pronto está para afeitar-se,
Vendo-se no cristal resplandecente,
Que em si o está pintando propriamente.

Estrofe 55: Continuação descrição da Ilha. Visualizam os vales verdes, e suas claras águas, um belo lago (=mesa). Arvoredos se erguem como cristais.
Mil árvores estão ao céu subindo,
Com pomos odoríferos e belos:
A laranjeira tem no fruto lindo
A cor que tinha Dafne nos cabelos;
Encosta-se no chão, que está caindo,
A cidreira com os pesos amarelos;
Os formosos limões ali, cheirando,
Estão virgíneas tetas imitando.

Estrofe 56: Continuação descrição da Ilha. Visualizam Os bosques e os tipos de árvores ali presentes (laranjeiras, limoeiros, pomares, etc). Menção à ninfa Dafne.
As árvores agrestes que os outeiros
Têm com frondente coma enobrecidos,
Alemos são de Alcides, e os loureiros
Do louro Deus amados e queridos;
Mirtos de Citereia, com os pinheiros
De Cibele, por outro amor vencidos;
Está apontando o agudo cipariso
Para onde é posto o etéreo paraíso.

Estrofe 57: Continuação descrição da ilha, como se dissesse a quem cada arvore pertencia. Os Álamos pertencem a Hércules, os loureiros a Apolo, os Mirtos a Citeréia (outro nome de Vênus), os pinheiros de Cibele (deusa cujo amante fora transformado em pinheiro).
Os dons que dá Pomona, ali Natura 
Produz diferentes nos sabores, 
Sem ter necessidade de cultura, 
Que sem ela se dão muito melhores: 
As cerejas purpúreas na pintura, 
As amoras, que o nome têm de amores, 
O pomo que da pátria Pérsia veio, 
Melhor tornado no terreno alheio. 

Estrofe 58: Continuação descrição da ilha, descrevendo a cultura de sabores que a deusa Pomona (dos jardins e das arvores frutíferas) proporciona aquele lugar. Cerejas, amoras e até pomos, vindos da Pérsia.
Abre a romã, mostrando a rubicunda 
Cor, com que tu, rubi, teu preço perdes; 
Entre os braços do ulmeiro está a jocunda 
Vide, com uns cachos roxos e outros verdes; 
E vós, se na vossa árvore fecunda, 
Peras piramidais, viver quiserdes, 
Entregai-vos ao dano, que, com os bicos, 
Em vós fazem os pássaros inicos. 

Estrofe 59: Continuação descrição da ilha. Importância na romã (vermelha como um rubi), nas videiras e enormes peras. Frutas cobiçadas por pássaros travessos.
Pois a tapeçaria bela e fina, 
Com que se cobre o rústico terreno, 
Faz ser a de Aqueménia menos diria, 
Mas o sombrio vale mais ameno. 
Ali a cabeça a flor Cifísia inclina 
Sôbolo tanque lúcido e sereno; 
Floresce o filho e neto de Ciniras, 
Por quem tu, Deusa Páfia, inda suspiras. 

Estrofe 60: Continuação descrição da ilha. Descrição do rústico terreno, assemelhado a uma tapeçaria bela e fina e nada comparado a uma legendaria província da Pérsia. Isso em contraste com um sombrio vale, com flores de Narciso crescendo la. Floresce também a anêmona (antigo deus Adonis transformado na planta), ainda admirado pela Deusa Páfia (outro nome de Vênus).
Para julgar, difícil coisa fora, 
No céu vendo e na terra as mesmas cores, 
Se dava às flores cor a bela Aurora, 
Ou se lha dão a ela as belas flores. 
Pintando estava ali Zéfiro e Flora 
As violas da cor dos amadores; 
O lírio roxo, a fresca rosa bela, 
Qual reluz nas faces da donzela; 

Estrofe 61: Continuação descrição da ilha, Descreve o céu azulado, a aurora, que dava vida as flores embaico. Menção ao deus Zéfiro (deus do vento brando do Oriente) e a deusa Flora (esposa de Zéfiro, deusa da primavera e das flores). Flores como violetas e o lírio roxo.
A cândida cecém, das matutinas 
Lágrimas rociada, e a manjarona. 
Vêem-se as letras nas flores Hiacintinas, 
Tão queridas do filho de Latona. 
Bem se enxerga nos pomos e boninas 
Que competia Cloris com Pomona. 
Pois se as aves no ar cantando voam, 
Alegres animais o chão povoam. 

Estrofe 62: Continuação descrição da ilha, falando como ela é de manhã com o orvalho, com as flores Hiacintinas (esporas, nascidas do sangue de Jacinto, um amigo de Apolo por este morto involuntariamente). Animais alegres pelas manhãs, aves no ar cantando, pomos florescendo lindamente.
Ao longo da água o níveo cisne canta, 
Responde-lhe do ramo filomela; 
Da sombra de seus cornos não se espanta 
Acteon, n'água cristalina e bela; 
Aqui a fugace lebre se levanta 
Da espessa mata, ou tímida gazela; 
Ali no bico traz ao caro ninho 
O mantimento o leve passarinho. 

Estrofe 63: Fim descrição da ilha. Fala dos cisnes na água, o rouxinol em um ramo cantando (ou Filomena, filha de um rei ateniense transformada em rouxinol); na água novamente Ácteon, um personagem mitológico amante da caça; na mata uma gazela, e um passarinho com seu alimento, levando-o ao ninho.
Nesta frescura tal desembarcavam 
Já das naus os segundos Argonautas, 
Onde pela floresta se deixavam 
Andar as belas Deusas, como incautas. 
Algumas doces cítaras tocavam, 
Algumas harpas e sonoras flautas, 
Outras com os arcos de ouro se fingiam 
Seguir os animais, que não seguiam. 

Estrofe 64: Navegantes finalmente desembarcam na ilha dos Amores, e são impulsionados a ir para as florestas pelas deusas da natureza, que vão traçando o caminho dos portugueses. Ora nuas tocando harpa para eles, segurando seus arcos de ouro e os deslumbrando com suas belezas divinas.
Assim lhe aconselhara a mestra experta; 
Que andassem pelos campos espalhadas; 
Que, vista dos barões a presa incerta, 
Se fizessem primeiro desejadas. 
Algumas, que na forma descoberta 
Do belo corpo estavam confiadas, 
Posta a artificiosa formosura, 
Nuas lavar-se deixam na água pura, 

Estrofe 65: Vênus aconselhara os portugueses a caminhar por seus bosques espalhados e que se lavassem da viagem na água pura, que estavam autorizados.
Mas os fortes mancebos, que na praia 
Punham os pés, de terra cobiçosos, 
Que não há nenhum deles que não saia 
De acharem caça agreste desejosos, 
Não cuidam que, sem laço ou redes, caia 
Caça naqueles montes deleitosos, 
Tão suave, doméstica e benigna, 
Qual ferida lha tinha já Ericina. 

Estrofe 66: Descansados, os jovens navegantes anseiam por sair em busca de caça. Esperavam achar caça boa e deleitosa naqueles vales, mas com medo de violar a pureza daquele lugar e ferir Vênus.
Alguns, que em espingardas e nas bestas, 
Para ferir os cervos se fiavam, 
Pelos sombrios matos e florestas 
Determinadamente se lançavam: 
Outros, nas sombras, que de as altas sestas 
Defendem a verdura, passeavam 
Ao longo da água que, suave e queda, 
Por alvas pedras corre à praia leda. 

Estrofe 67: Se meteram nos sombrios matos e florestas com espingardas e bestas (arco aperfeiçoado, que se arma mecanicamente e tem uma coronha tanto para facilitar a pontaria quanto para dar direção às flechas) para matar cervos. Alguns na mata sob sol ardente e outros ao longo da água.
Começam de enxergar subitamente 
Por entre verdes ramos várias cores, 
Cores de quem a vista julga e sente 
Que não eram das rosas ou das flores, 
Mas da lã fina e seda diferente, 
Que mais incita a força dos amores, 
De que se vestem as humanas rosas, 
Fazendo-se por arte mais formosas. 

Estrofe 68: Na mata, subitamente, veem a cor das roupas das ninfas passando. Descrevem-nas como a força dos amores, as humanas rosas, vestindo lã fina e seda diferente.
Já não fugia a bela Ninfa, tanto
Por se dar cara ao triste que a seguia,
Como por ir ouvindo o doce canto,
As namoradas mágoas que dizia.
Volvendo o rosto já sereno e santo,
Toda banhada em riso e alegria,
Cair se deixa aos pés do vencedor,
Que todo se desfaz em puro amor.

Estrofe 82: Ninfa estava fugindo de um dos jovens, Leonardo, que vinha atrás dela apaixonado. Para de fugir de um dos navegantes, que estava a perseguindo. Ouvindo as suplicas do apaixonado, seus lamentos, sua dor. Ela se encanta com ele afinal, e cai a seus pés, se rendendo e se desfazendo em puro amor.
Ó que famintos beijos na floresta,
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tão suaves, que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã, e na sesta,
Que Vénus com prazeres inflamava,
Melhor é experimentá-lo que julgá-lo,
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.

Estrofe 83: O jovem casal provavelmente estava inflamado de amor na floresta, se beijando e se “afagando” loucamente. Estavam felizes e apaixonados, e Venus assistia ao longe com prazer aquele amor, dizendo que “Melhor é experimenta-lo que julgá-lo; Mas julgue-o quem não pode experimenta-lo”.
Desta arte enfim conformes já as formosas
Ninfas com os seus amados navegantes,
Os ornam de capelas deleitosas
De louro, e de ouro, e flores abundantes.
As mãos alvas lhes davam como esposas;
Com palavras formais e estipulantes
Se prometem eterna companhia
Em vida e morte, de honra e alegria.

Estrofe 84: Os vários navegantes encontraram cada um sua própria ninfa amada, e decidiram torna-las suas esposas. Todos se uniram me matrimonio eterno então.
Que as Ninfas do Oceano tão formosas,
Tethys, e a ilha angélica pintada,
Outra coisa não é que as deleitosas
Honras que a vida fazem sublimada.
Aquelas proeminências gloriosas,
Os triunfos, a fronte coroada
De palma e louro, a glória e maravilha:
Estes são os deleites desta ilha.

Estrofe 89: É uma espécie de explicação do sentido alegórico da Ilha dos Amores, de seu simbolismo. Começa falando dos deleites da ilha, seus prazeres, como os triunfos, a glória e as maravilhas trazidas pela ilha. Na verdade, o poeta explica que Tétis e as ninfas nada mais são do que um símbolo das honras e glórias que dignificam a vida.
Que as imortalidades que fingia
A antiguidade, que os ilustres ama,
Lá no estelante Olimpo, a quem subia
Sobre as asas ínclitas da Fama,
Por obras valorosas que fazia,
Pelo trabalho imenso que se chama
Caminho da virtude alto e fragoso,
Mas no fim doce, alegre e deleitoso:

Estrofe 90: Continuação da explicação do simbolismo da ilha. A imortalidade daquela ilha se da por conta dos heróis tradicionalmente imortalizados no Olimpo. Os lustres, os deuses, imortalizavam a ilha, muita honra.
Não eram senão prémios que reparte
Por feitos imortais e soberanos
O mundo com os varões, que esforço e arte
Divinos os fizeram, sendo humanos.
Que Júpiter, Mercúrio, Febo e Marte,
Eneias e Quirino, e os dois Tebanos,
Ceres, Palas e Juno, com Diana,
Todos foram de fraca carne humana.

Estrofe 91: Continuação da explicação do simbolismo da ilha. Fala que o premio da imortalidade não era algo a ser repartido, algo digno dos soberanos imortais, que com muito esforço se fizeram divinos. Que Júpiter, Mercúrio, Febo, Marte, Enéias, Quirino, Celes, Palas, Juno e Diana: todos eles, algum dia, foram todos de fraca carne humana, mas agora não mais.
Mas a Fama, trombeta de obras tais,
Lhe deu no mundo nomes tão estranhos
De Deuses, Semideuses imortais,
Indígetes, Heróicos e de Magnos.
Por isso, ó vós que as famas estimais,
Se quiserdes no mundo ser tamanhos,
Despertai já do sono do ócio ignavo,
Que o ânimo de livre faz escravo.

Estrofe 92: A fama levou os deuses a ganhar nomes estranhos no mundo, nomes foram dados a deuses, semideuses, indígetes, heroicos e de magnos, e se você quer a fama, desperte de seu sono e comece a agir para ganhar reconhecimento.

CANTO X

Assi cantava a Ninfa; e as outras todas,
Com sonoroso aplauso, vozes davam,
Com que festejam as alegres vodas
Que com tanto prazer se celebravam.
- "Por mais que da Fortuna andem as rodas
(Nüa cônsona voz todas soavam),
Não vos hão-de faltar, gente famosa,
Honra, valor e fama gloriosa."

Estrofe 74: Todas as ninfas com aplausos e cantos celebravam as bodas com prazer: por mais que a fortuna seja importante, não irá faltar honra, valor e glória, cantavam todas juntas.

Despois que a corporal necessidade
Se satisfez do mantimento nobre,
E na harmonia e doce suavidade
Viram os altos feitos que descobre,
Tétis, de graça ornada e gravidade,
Pera que com mais alta glória dobre
As festas deste alegre e claro dia,
Pera o felice Gama assi dizia:

Estrofe 75: Depois que as necessidades corporais do nobre foram satisfeitas, com sua harmonia e doçura, Tétis descobriu os feitos dos portugueses e estava celebrando o dia das conquistas enquanto para o feliz Vasco da Gama dizia:


"Faz-te mercê, barão, a Sapiência
Suprema de, cos olhos corporais,
Veres o que não pode a vã ciência
Dos errados e míseros mortais.
Sigue-me firme e forte, com prudência,
Por este monte espesso, tu cos mais."
Assi lhe diz e o guia por um mato
Árduo, difícil, duro a humano trato.

Estrofe 76: Sirva-se da sabedoria Suprema e veja o que a pequena ciência dos mortais, que são miseráveis e errôneos, não sabe: me siga com prudência por esse morro. E o guia por um caminho difícil para humanos.

Não andam muito que no erguido cume
Se acharam, onde um campo se esmaltava
De esmeraldas, rubis, tais que presume
A vista que divino chão pisava.
Aqui um globo vêm no ar, que o lume
Claríssimo por ele penetrava,
De modo que o seu centro está evidente,
Como a sua superfícia, claramente.

Estrofe 77: Andaram até o cume onde havia um campo sem vegetação com jóias que mostravam que estavam pisando em solo divino. No meio do lugar, viam um globo flutuando, que era claríssimo e no seu centro a luz penetrava e ficava evidente seu centro e sua superfície.

Qual a matéria seja não se enxerga,
Mas enxerga-se bem que está composto
De vários orbes, que a Divina verga
Compôs, e um centro a todos só tem posto.
Volvendo, ora se abaxe, agora se erga,
Nunca s'ergue ou se abaxa, e um mesmo rosto
Por toda a parte tem; e em toda a parte
Começa e acaba, enfim, por divina arte,

Estrofe 78: Não é possível identificar o material de que é feito, mas se vê que é composto de partes feitas por Deus, e um centro que poderia ser visto por qualquer um, em qualquer ângulo, que nunca se movimenta, e tem em toda sua volta uma mesma imagem, que começa e acaba na arte divina.

Uniforme, perfeito, em si sustido,
Qual, enfim, o Arquetipo que o criou.
Vendo o Gama este globo, comovido
De espanto e de desejo ali ficou.
Diz-lhe a Deusa: — "O transunto, reduzido
Em pequeno volume, aqui te dou
Do Mundo aos olhos teus, pera que vejas
Por onde vás e irás e o que desejas.

Estrofe 79: O globo era perfeito, e Gama ficou admirando-o com espanto e desejo. A ninfa lhe diz: te dou o mundo reduzido em pequeno volume, o Mundo aos seus olhos, mas veja onde vai e o que quer.

Vês aqui a grande máquina do Mundo,
Etérea e elemental, que fabricada
Assi foi do Saber, alto e profundo,
Que é sem princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e sua superfícia tão limada,
É Deus: mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende.

Estrofe 80: veja a Máquina do Mundo, maravilhosa, que foi fabricada por Deus, não tem começo nem fim. É cercado por uma órbita, cuja superfície é Deus, mas ninguém entende o que é Deus, porque a sabedoria humana não se estende a tanto.

Este orbe que, primeiro, vai cercando
Os outros mais pequenos que em si tem,
Que está com luz tão clara radiando
Que a vista cega e a mente vil também,
Empíreo se nomeia, onde logrando
Puras almas estão daquele Bem
Tamanho, que ele só se entende e alcança,
De quem não há no mundo semelhança.

Estrofe 81: Esta primeira órbita cerca as outras menores e está irradiando uma luz tão clara que cega a vista e as mentes mal intencionadas. É chamado de paraíso cristão, no qual ficam as almas puras, que atingiram o bem que só Deus entende e alcança, que não há igual no mundo dos humanos.

Aqui, só verdadeiros, gloriosos
Divos estão, porque eu, Saturno e Jano,
Júpiter, Juno, fomos fabulosos,
Fingidos de mortal e cego engano.
Só pera fazer versos deleitosos
Servimos; e, se mais o trato humano
Nos pode dar, é só que o nome nosso
Nestas estrelas pôs o engenho vosso.

Estrofe 82 (Deuses Fabulosos): Aqui só os verdadeiros gloriosos podem ficar, porque aqui Tétis e mais alguns deuses se fingiram de mortais apenas para fazer versos, que é para o que eles servem, e os humanos só podem levar isso por meio de nomes de deuses que passam para a ciência mortal.

E também, porque a santa Providência,
Que em Júpiter aqui se representa,
Por espíritos mil que têm prudência
Governa o Mundo todo que sustenta
(Ensina-lo a profética ciência,
Em muitos dos exemplos que apresenta);
Os que são bons, guiando, favorecem,
Os maus, em quanto podem, nos empecem;

Estrofe 83 (Deus é que manda): E também  porque Deus representado por Júpiter tem prudência em espíritos mil, ele governa o mundo todo. Tétis ensina a Gama a ciência da Profecia, e mostra que os bons exemplos ajudam e os maus exemplos prejudicam.

Quer logo aqui a pintura que varia
Agora deleitando, ora ensinando,
Dar-lhe nomes que a antiga Poesia
A seus Deuses já dera, fabulando;
Que os Anjos de celeste companhia
Deuses o sacro verso está chamando,
Nem nega que esse nome preminente
Também aos maus se dá, mas falsamente.

Estrofe 84: Ele quer aqui a pintura que varia, ora ensina, ora agrada, deu nome aos deuses nas antigas poesias.



Enfim que o Sumo Deus, que por segundas
Causas obra no Mundo, tudo manda.
E tornando a contar-te das profundas
Obras da Mão Divina veneranda,
Debaxo deste círculo onde as mundas
Almas divinas gozam, que não anda,
Outro corre, tão leve e tão ligeiro
Que não se enxerga: é o Móbile primeiro.

Estrofe 85 (Paraíso): A essência de Deus que em tudo manda. Tétis volta a contar sobre as profundas obras de Deus: debaixo do círculo que as puras almas divinas aproveitam, e que não anda, corre outro círculo tão rápido que não se enxerga o movimento.

Com este rapto e grande movimento
Vão todos os que dentro tem no seio;
Por obra deste, o Sol, andando a tento,
O dia e noite faz, com curso alheio.
Debaxo deste leve, anda outro lento,
Tão lento e sojugado a duro freio,
Que enquanto Febo, de luz nunca escasso,
Duzentos cursos faz, dá ele um passo.

Estrofe 86(Céu): Com este rápido e grande movimento, vão todos os que estão no centro, e o Sol anda fazendo dia e noite. Debaixo desta órbita, outra lenta, tão lenta que enquanto a luz dá 200 voltas, essa órbita dá uma só.

Olha estoutro debaxo, que esmaltado
De corpos lisos anda e radiantes,
Que também nele tem curso ordenado
E nos seus axes correm cintilantes.
Bem vês como se veste e faz ornado
Co largo Cinto d, ouro, que estelantes
Animais doze traz afigurados,
Apousentos de Febo limitados.

Estrofe 87(firmamento): Veja este outro de baixo, que pintado com corpos radiantes, anda em um curso ordenado, e nos seus eixos correm cintilantes, como o zodíaco que traz dois animais figurados, limitados aos aposentos de Febo.

Olha por outras partes a pintura
Que as Estrelas fulgentes vão fazendo:
Olha a Carreta, atenta a Cinosura,
Andrómeda e seu pai, e o Drago horrendo;
Vê de Cassiopeia a fermosura
E do Orionte o gesto turbulento;
Olha o Cisne morrendo que suspira,
A Lebre e os Cães, a Nau e a doce Lira.

Estrofe 88(firmamento): As estrelas do céu, por outras partes, fazem a Ursa Maior e a Ursa Menos, Andrômeda e outras tantas constelações.

Debaxo deste grande Firmamento,
Vês o céu de Saturno, Deus antigo;
Júpiter logo faz o movimento,
E Marte abaxo, bélico inimigo;
O claro Olho do céu, no quarto assento,
E Vénus, que os amores traz consigo;
Mercúrio, de eloquência soberana;
Com três rostos, debaxo vai Diana.

Estrofe 89: Debaixo do firmamento fica o céu de Saturno, deus antigo, depois de Júpiter, Marte, Vênus, Mercúrio e Diana. (sequência das orbitas)

Em todos estes orbes, diferente
Curso verás, nuns grave e noutros leve;
Ora fogem do Centro longamente,
Ora da Terra estão caminho breve,
Bem como quis o Padre omnipotente,
Que o fogo fez e o ar, o vento e neve,
Os quais verás que jazem mais a dentro
E tem co’o Mar a Terra por seu centro.

Estrofe 90: Em todas estas órbitas diferentes será visto, o movimento rápido ou lento, ora estão fugindo da Terra ora estão perto, mas sempre tem a Terra como centro (teoria aceita na época).

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