Análise da obra A Metamorfose,
de Franz Kafka:
Existencialismo, foco narrativo e linguagem
O Existencialismo pode ser
definido como um conjunto de tendências
filosóficas, as quais têm em comum o fato de a existência humana ser o ponto de partida e objeto fundamental de reflexões. Essa corrente de pensamento possui
as seguintes características:
·
A definição de ser humano, o qual é visto como uma realidade imperfeita, aberta
e inacabada que foi “lançada” ao
mundo tendo que viver e enfrentar situações de riscos e ameaças;
·
A condição da liberdade humana, a qual
não é plena, mas sim condicionada às circunstâncias históricas. A partir disso,
querer não significa poder já que o
ser humano enfrenta e supera, constantemente, obstáculos que lhes são
apresentados;
·
E a vida humana, a qual é entendida como um
caminho marcado por muitas situações difíceis que causam o sofrimento, doenças, fracassos e até a morte do ser humano. Porém, esses aspectos ruins devem ser encarados e enfrentados.
O livro “A metamorfose” de Franz Kafka foi escrito por volta de 1912,
momento marcado por intensas crises causadas pelo Modernismo, dentre elas crises
existenciais, religiosas e racionais.
Portanto, o livro apresenta a desesperança,
o pessimismo relacionado ao que pode
vir acontecer e as constantes dúvidas
do ser humano. Dessa maneira, tudo isso é refletido no protagonista da
história, o caixeiro-viajante Gregor
Samsa, o qual se vê num isolamento
intenso ao se tornar um inseto. O personagem continua tendo sentimentos
humanos (consciência humana), porém,
é impedido de expressar toda a sua indignação em relação a sua família, ao seu
trabalho e a sociedade como um todo, por causa de sua metamorfose.
Gregor é um ser repleto de angústia
e agonia e, portanto, não
enfrenta a sua situação, preferindo acomodar-se a ela sem perceber a sua
liberdade de poder mudá-la. Sendo assim, Samsa acaba escolhendo a morte, achando que a mesma é o caminho
mais fácil para resolver seus problemas
e que é o momento de sua libertação.
Segundo Jean-Paul Sartre, o filósofo mais conhecido da corrente
existencialista, o ser humano pode ser visto como o nada (ente para-si), ou
seja, um espaço aberto, “vazio de ser”, uma vez que o homem não é estático, compacto,
mas sim passível de mudanças, as
quais podem acontecer a partir do momento em que o ser humano tem a liberdade
de realizar escolhas das quais é responsável e, dessa maneira, formar a si mesmo. Para o filósofo, a liberdade é responsável por mover o ser humano, gerar dúvidas e o
estimular a ultrapassar certas barreiras e limites. Entretanto, ao considerar o
personagem Gregor, pode-se concluir que o mesmo acaba não tendo essa liberdade,
sendo explorado por todos ao seu redor.
Sartre diz que a literatura mostra o homem para ele próprio,
apresentando suas angústias a fim de que o mesmo compreenda a sua complexidade. Além disso, a mesma representa
a sociedade ao homem a partir de seu retrato.
Portanto, segundo o pensador, a compreensão da realidade humana está
diretamente ligada à literatura.
O foco narrativo presente em A Metamorfose ocorre pelo narrador onisciente, ou seja, o
narrador tem a consciência, o conhecimento do que acontece com a família Samsa
nos aspectos psicológicos (emoções e
pensamentos dos personagens), cronológicos
e também sabe o enredo da história. Além
do mais, o narrador onisciente é aquele que narra em 3ª pessoa e que, às vezes, apresenta ideias em 1ª pessoa. Na obra
também há a presença do discurso direto
e indireto, fazendo com que as
descrições dos fatos cheguem mais próximo daquilo que o protagonista (Gregor
Samsa) experimenta e sente, ou seja, mesmo não representando o
personagem principal, o narrador apresenta os fatos de acordo com a visão de Gregor durante a maior parte
da obra, com exceção do final, no qual Gregor morre e a narrativa passa a se focar nas ações e nos fatos que estavam
ocorrendo com a família do protagonista.
Mesmo que o narrador conte os acontecimentos em 3ª pessoa, ele
está longe de ser um narrador neutro. Ao apontar a visão de Gregor, não dá
muita importância aos nomes do Sr. E da
Sra. Samsa (pais do protagonista), apenas os cita com a relação de parentesco
que os mesmos têm com o filho. Grete (irmã de Gregor) é a única personagem
(além do personagem principal) nomeada e, mesmo assim, esse laço de sangue que
ela tem com seu irmão aparece mais que o seu nome verdadeiro.
Na obra, a linguagem utilizada
por Franz Kafka é formal, simples, fácil de entender, porém objetiva, enxuta, exata, seca e obscura, utilizando metáforas e imagens inusitadas para criticar a
sociedade da época. Sua escrita única e peculiar retrata o conformismo de Gregor diante de suas novas condições de existência e de sua alienação, o que provoca angústia,
sofrimento e tristeza no leitor, visto que Gregor aceita tais condições
tranquilamente sem tentar mudar nada.
É uma
narrativa agonizante e desesperadora na visão dos leitores por
conta das condições de Gregor, e a linguagem seca e sombria só contribui para
aumentar essa angústia. Kafka instiga sensações e impressões que variam com a
presença de um humor perturbador. A
leitura requer uma atenção especial por sua linguagem burocrática, sem a qual o
autor não teria atingido o aspecto característico que constrói a obra. Kafka
tinha consciência de que, para chegar ao estranhamento e exprimir a agonia de
suas narrativas, optar pela formalidade
seria mais eficiente, adotando um caráter
impessoal.
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